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PARA UM AMOR NO RECIFE

  • Foto do escritor: Mirella Amorim
    Mirella Amorim
  • 27 de jul. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de jun.

Mirella Amorim*


Em Vitória abriu uma “pensão” que parece ter tido dias gloriosos. Não sei se amou. Casou-se com um soldado de polícia uns vinte anos mais jovem. Os forrobós na pensão foram silenciados, mas resistiram na memória do papagaio que, ao mais leve sinal de festividade, um inocente brinde natalino que fosse, desatava a dançar e gritar: xibiu, tabaco! Memórias fagocitadas.

Em viagens levamos, além das malas, a trouxa diáfana da memória. Cheiros catapultam sentidos, desembarcam em gostos, flanam pelo som ao redor, inventam lembranças. Em viagens, o amor é ainda mais bem-vindo e a isso atribuo minha comoção com a música “Para um amor no Recife”. Uma comoção que me faz repetir versões sem conseguir definir se o ranking das preferidas começa pela gravação da Mart'nália ou a de estúdio do Paulinho.


Nunca tive um amor no Recife. Pelas minhas contas, nas vezes espaçadas no tempo em que estive aqui, não durei mais de cinco dias seguidos, não andei levando a vida quase morta. E, mesmo que alargue os sentidos poéticos da letra de “Para um amor no Recife”, eu e o eu lírico do Paulinho da Viola temos pouco em comum. Imagina se diante do amor ia mandar só um sorriso? Eu corro!


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Ouço a canção, me emociono e concluo: o que tenho é um amor pelo Recife. Mas por que? Uma explicação pode ser ancestral. Quando contei à minha irmã que uma personagem importante do meu romance mora no Recife, ela me lembrou que nossa bisavó era pernambucana. Sabemos pouco ou nada dela. Adorada pela minha mãe, tinha invejados olhos azuis e figurava com cara de poucos amigos na cômoda da amargura da minha vó, emoldurada, solene.


Pelo que pudemos deduzir, Dona Jóvem (como minha bisavó era chamada) era quenga. Migrou para Sergipe e depois para o Espirito Santo (vai entender) por razões desconhecidas, com dois filhos de pai igualmente desconhecido. Em Vitória abriu uma “pensão” que parece ter tido dias gloriosos. Não sei se amou. Casou-se com um soldado de polícia uns vinte anos mais novo. Os forrobodós na pensão foram silenciados, mas resistiram na memória do papagaio que, ao mais leve sinal de festividade, um inocente brinde natalino que fosse, desatava a dançar e gritar: xibiu, tabaco! Memórias fagocitadas.


Não sei se é coisa da idade ou se é moda mesmo, mas parece que todos estamos escrevendo memórias. Pode ser que seja uma influencia direta da leitura de "Ressuscitar Mamutes" da Silvana Tavano. Deve ser, não sei. O que me interessa é a liberdade posta à mesa para inventar amor no Recife, bisavó quenga, Joana que amava Tereza, que amava Clara, que amava.


E estando no Recife, terra de gente enfática, afirmo em manifesto: a todos, o inalienável direito de fabular! Temos todo um passado pela frente.


PS: perdoem-me os vaidosos descendentes de Nassau, que provavelmente deram olhos azuis à minha bisavó, mas tudo por aqui me parece muito mais luso familiar, como no Rio e Salvador. Sem orgulho ou pesar, somos portugueses demais. e isso já é assunto para depois.


*Carioca da clara, vivendo em São Paulo. Pós-graduada em Produção de Textos Literários pelo Instituto Vera Cruz/SP, multiartista, graduada em Serviço Social e servidora pública. Escritora, poeta, autora de “Amorogâmica” (Editora Patuá, 2024). Autodidata em artes visuais, bordadeira digital e criadora da página “Álibis & Alfarrábios” (www.alibisealfarrabios.com.br), deve à música brasileira sua formação subjetiva e estética..


 
 
 

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