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O filme

por trás da mão do poeta

uma viagem-doc em busca de um filme-poema

Em fevereiro de 2021, um fevereiro de cinzas, desembarcava em Salvador com uma câmera na mão e duas cismas na cabeça.

 

A primeira e mais antiga cisma era com o pôr do sol no mar. Como pode, se nossa costa é leste e o sol se põe no oeste? A resposta em si era simples, o que importava mesmo era a cisma, o espanto.

 

​Muitos anos depois conheci, tardiamente, a canção "Aquele Frevo Axé" do Cézar Mendes e Caetano Veloso e, pá! Lá estava o verso fatal imediatamente convertido em segunda cisma: "vejo o clarão se extinguir, por trás da mão do poeta". Ali, na canção, encontrava o mesmo deslumbramento de quando, por muitas tardes, vi chegar a noite da Bahia preta.

 

Começou, então, uma jornada de pesquisas, conexões, coincidências, magias, e o momento perfeito: o (não) Carnaval de 2021. Precisava ir para Salvador. Descobria que o Dois de Julho estava bem ali, se derramando entre a mão do poeta e aquele tal pôr do sol e, naquele tempo-espaço, queria estar, conhecer, descobrir e filmar: POR TRÁS DA MÃO DO POETA 

 

Assim, juntando as pontas das cismas com o carnaval da canção, nascia um projeto de filme, que de certo mesmo tinha o título e nenhum tostão: uma câmera DSLR e sua 50mm, um gravador, microfone de lapela e ponto. Fora isso e, fundamentalmente, um parceiro abrindo os caminhos em Salvador e mais "muita disposição e vontade de querer" como, mais tarde, me ensinou um menino baiano para lá de disposto.

 

Foram 10 dias ouvindo, cheirando, comendo, bebendo e vivendo o Dois de Julho. Foram 10 dias de conversas com uma gente sorridente, gentil, emocionada e "doente de uma folia": 20h de imagens, 8 depoimentos, dezenas e dezenas de minutos filmando e fotografando o clarão se extinguindo por trás da mão do poeta.

 

Penso, agora, e agradeço por todas as cores que um carnaval pode ter, mesmo quando não há. Aquele fevereiro foi iluminado de sóis dramáticos, emoções, encontros, equívocos... que, espero, serão um filme. Por enquanto, publico aqui fragmentos e memórias dessa viagem-doc em busca de um filme-poema.

 

Agradeço imensamente ao Uílton Oliveira, sem ele não existiria nada disso, à Carolina Rocha que me deu coragem e encheu nossos dias de pura alegria, à Nash Laila que esteve o tempo todo bem do ladinho e me trouxe a mais rara e delicada versão da canção.

Agradeço e louvo os poetas do cotidiano do Dois de Julho que emprestaram suas histórias às minhas cismas: Marli, Ilza, Lucinha, Osmar "Tolstoi", Wagner, Luíza e Patrick.

 

Mirella Amorim, fevereiro de 2022.

por trás da mão do poeta, Praça Castro Alves, Salvador - BA © 2021 Mirella Amorim

Praça Castro Alves, fevereiro, 2021

 

Uílton Oliveira por © 2021 Mirella Amorim

Uílton Oliveira, parceiro na realização do filme, soteropolitano, historiador, realizador audiovisual e cineclubista.

Mirella Amorim bairro Dois de Julho

Mirella Amorim, em uma das muitas paredes grafitadas no Dois de Julho

 bairro Dois de Julho, Salvador - BA  © 2021 Mirella Amorim

"Plantão" de pôr do sol no Dois de Julho

Uílton Oliveira, Carolina Rocha e Mirella Amorim

Uílton Oliveira, Carolina Rocha e Mirella Amorim ao final de um dos "plantões" de pôr do sol.

Galeria
Doente de uma folia
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Doente de uma folia

um curtíssimo dentro do curta

Domingo de Carnaval, Sebo Mimosa, Rua do Sodré, 

Tarde de sol no Dois de Julho, partimos para o primeiro local que havíamos mapeado para as filmagens, o Sebo Mimosa: um pequeno sebo-bar de fachada a la Gaudi, servindo bebidas, livros e papos. Pedimos uma cerveja, observamos um bocado e começamos a contar sobre o projeto do filme na expectativa de convencer Santinho, dono do sebo, a gravar uma conversa conosco.

 

Santinho nos lembra que a cena que inaugura "Dona Flor e seus dois maridos" e traz o livro. Começo a ler e Uílton decide filmar. Leio como se visse o filme e ouvisse a Simone cantando "O que será?".

 

Surpresa por não saber ou lembrar que o suspiro derradeiro de Vadinho era em um domingo de carnaval em pleno Largo Dois de Julho, termino a leitura, olho pro lado e vejo que aquele instante havia se convertido em celebração, choramos juntos e brindamos, num luto digno de Vadinho, o nosso carnaval!

Saio de lá presenteada com o exemplar da primeira edição, de 1966, de "Dona Flor...". e certa de ter sido tocada pela tal magia do cinema.

Registro do encontro com Maurício, Lucinha, Vadinho e Santinho no Sebo Mimosa

"Mirella,

O encantamento da vida foi que choramos com  morte de Vadinho em um domingo de carnaval.

A nossa emoção mútua faz com que o ressuscitemos e nos tornemos grandes foliões num domingo de carnaval tão atípico.

Abraços, Maurício de Jequié, Irecê - BA  - 14/02/2021"

dona flor

aquele frexo axé

Que fazer?
Meu pensamento está preso àquele carnaval
Volto a pisar este chão
Enceno um drama banal
Tento refazer a trama
Mas o desfecho é igual

E você?
Será que canta calada aquele frevo axé
Que não me deixa dormir?
Ou terá perdido a fé
No que ficou prometido
Sem nos falarmos sequer

Meu amor
Ando na praça vazia e espero o Sol se pôr
Vejo o clarão se extinguir
Por trás da mão do poeta
Nosso amor não vai sumir
Veja onde a gente se achou
Estrelas já vão luzir
Na noite da baía preta
Queria tanto você aqui

Que fazer?

(Caetano Veloso e Cézar Mendes)

Playlist com as canções que foram trazidas pelas memórias dos entrevistados e pelos dias no Dois de Julho e mais as versões de Gal, Fernanda Montenegro e Caetano para "Aquele Frevo Axé"

Aquele Frevo AxéNash Laila
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Versão de Nash Laila e violão de Guina

Aquele frevo axé
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