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GAL: XS MENINXS, NOVAS E VELHAS NOVIDADES

  • Foto do escritor: Mirella Amorim
    Mirella Amorim
  • 17 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de out. de 2024


Então,

de todo amor não terminado

seremos pagos

em inumeráveis noites de estrelas.


Ressuscita-me,

nem que seja só porque te esperava

como um poeta,

repelindo o absurdo quotidiano!

Ressuscita-me,

nem que seja só por isso!


(excerto de “O Amor” de Maiakovski)


Anos 1990, jovens, alegres e enfáticos


Tinha a coragem de dizer que a Gal me enjoava, a coragem não, a indecência. Naqueles tempos tínhamos enorme apego aos debates do tipo Fla x Flu (em verdade, eram mais Fla x Botafogo e uma ou outra reivindicação vascaína). Dedicávamos expedientes inteiros aos tribunais que se instauravam nos bares da orla da UERJ. Dos tantos assuntos: os 6% do orçamento do estado, filosofias em geral, greves, traições, assembleias, o PCdoB, poetas malditos, PSTU, corações partidos, o PT, a DS (jamais imaginamos que estaríamos como estamos) ... bom mas, entre tantos assuntos, sempre chegávamos a eles: Gal ou Bethânia, Chico ou Caetano. O Gil, não sei ao certo o motivo, era preservado. Não havia economia de palavras e argumentos definitivos e refutáveis. Meu time era Bethânia e Chico Eu acusava a Gal de perfeição excessiva, Caetano achava pitizeiro e não admitia seu brizolismo. Ao contrário, Chico e Bethânia eram tudo que eu mais admirava: a precisão poética de um e a voracidade da outra. O que faltava de conteúdo político nas declarações públicas de uma, no outro, a palavra lâmina afiada. Nada me parecia tão bem-acabado quanto o álbum Chico & Bethânia (1975). A sequência "Sem Fantasia", "Sem Açúcar" e "Com Açúcar, Com Afeto” reunia novamente gregos e baianos. Ao fim das noites, exaustos e ébrios, cantávamos em duetos, quartetos, sextetos: emocionados e patéticos. Eu, sempre tive uma nota a mais de drama, gostava especialmente de cantar a "Camisola do Dia”, do Herivelto Martins. Não cometia a loucura de tentar imitar mas cantava ouvindo cada érre rasgado que Bethânia atribuiu à musica.

Não era totalmente verdade o que pensava da Gal. Não fui imune ao “Sorriso do Gato de Alice” (1993) e “Mina d'Água do Meu Canto” (1995) e só podia ser fingimento a frieza diante dos álbuns dos anos 1970. O que sustentou minha argumentação daqueles tempos foram os rumos que ela tomou lá pelo meio dos anos 1980. Gal dedicou um bom tempo e energia a um gênero popular/comercial e gravou despudoradamente a dupla Sullivan/Massadas. Tive preconceito e pode ser até que ainda tenha. Mas tive incômodo mesmo foi com álbuns corretíssimos, afinadíssimos e tão chatíssimos que poderiam tocar em qualquer elevador. Meu enjoo cristalizou.


Anos 2010: nem tão jovens, ainda enfáticos, porém menos derradeiros


Quando, em 2012, veio a notícia de que a Gal havia gravado um CD só com canções do Caetano e com uma pegada eletrônica, fiquei intrigada. De um lado, me animei. A esta altura já havia perdoado todos os (meus) pecados do Caetano. De outro, tive receio. Não tenho ouvidos para essa tal pegada eletrônica.


“Recanto” me quebrou as pernas e as convicções. Quando o álbum subiu ao palco tomei um susto com a força daquele espetáculo pulsante, vivo. Gal, a esta altura, uma mulher de 70 anos, absolutamente linda, entregue, inteira!!! Foi quando pensei: as vanguardas lhe vestem como uma segunda pele e só o Caetano poderia vestir-lhe novamente.

“Recanto” foi para o palco da cidade: o Circo Voador e lá encontrou uma outra plateia. Talvez uma plateia que jamais tenha se dado ao trabalho de se enjoar da Gal. Uma plateia, a quem ela chama de galera (tudo bem, Gal, eu também falo galera) e que se delicia e troca, com a Fatal, frescor e reverências.


Depois de “Recanto”, vieram “Estratosférica” e “A Pele do Futuro”, diferentes entre si e que se encontram no mesmo Circo em que Gal traz para a ribalta: meninos, novas e velhas novidades. Os três álbuns possuem registros ao vivo, apenas um deles gravado no Circo Voador, mas, minha imaginação leva todos os registros para lá.


Há algum tempo venho me dedicando a montar uma lista que fale desta Gal que surge depois de “Recanto” e traz canções que de tão antigas, para xs meninxs, são novas. A Gal que desce até o sol do plexo e que não vai mais tão longe no apelo: “ressuscitaaaaaaaaaa-me”. A Gal que espanta, abusa, arranha o canto e, principalmente, a Gal que emociona como emocionam as coisas que vemos pela primeira vez.


Puxa, Gal


Hoje, as disputas entre quem são os nossos melhores perderam totalmente o sentido. Dizem até que é sintoma de amadurecimento quando ficamos menos binários (alguém avisa isso para o presidente, por favor). E mesmo naquela época, ao fim e ao cabo, concluíamos a jornada a plenos pulmões bradando “Último desejo”: Noel sempre foi consenso [Aliás, a gravação de Gal de “Último desejo” para o Song book do Noel é de chorar].


Eu, sigo devota de Bethânia, cada vez mais emocionada com o Gil (queria que ele fosse meu amigo), estupefata com o primor do Chico, com as reinvenções do Caetano e com a força estranha e viva que é a Gal. Ah, também sigo vertendo uma ou outra lágrima por “Último desejo”.

Aqui o link da playlist no Spotfy Gal: xs meninx, novas e velhas novidades



O texto e a playlist são de fevereiro de 2020. Hoje, é um convite para que ressuscitemos-nos com Gal!



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