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EU QUERIA SER UMA ABELHA

  • Foto do escritor: Mirella Amorim
    Mirella Amorim
  • 22 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura

Mirella Amorim*


Tenho tido frequentes ímpetos rodrigueanos desejando o envelhecimento dos jovens; me pego à beira de dizer que no meu tempo as coisas não eram assim, e por pouco não comemoro o fato de, na minha equipe de trabalho, não ter nenhum Gen Z.
gato abelha

Segundo Censo de 2022, 16% da população brasileira tem entre 14 e 27 anos, ou seja, 47 milhões de pessoas são da geração Z. Foi só na semana passada que ouvi uma moça dessa faixa etária chamar geração Z por de Gen Z. Na hora, achei que Gen Z fosse uma influencer, uma cantora pop que eu desconhecia tanto quanto já não soube quem era Taylor Swift (na verdade, sigo sem saber). Nunca fui muito ligada nesse assunto de geração isso e aquilo, mas fiquei meio chocada quando me dei conta que nem da Millennial eu sou.


Hoje cedo salvei meu gato de uma abelha. Ele, filhote, não anteviu o risco. Eu, tonta, levei uma ferroada. Haja amor, pensei de imediato. Corre, pega o Polaramine. Antes que o pânico pelo surgimento de um edema de glote me dominasse, uma sinapse me acertou em cheio. Sem nem dar por mim comecei a cantar que queria ser uma abelha pra pousar na sua flor. Haja amor!


Tomei o Polaramine, não morri sufocada. Tive vontade de inclinar o tronco para frente, balançar a bunda, ciscando para trás, como se fazia ao fricotar. Não o fiz, me reprimi pensando que a esta altura milhões de brasileiros desconhecem a música, o Fricote e o Luiz Caldas. Fui tomada por uma breve indignação, mas me conformei quando entendi que era só susto diante do óbvio: a areia da minha ampulheta já está um bocado depois da metade.


Tenho tido frequentes ímpetos rodrigueanos desejando o envelhecimento dos jovens; me pego à beira de dizer que no meu tempo as coisas não eram assim, e por pouco não comemoro o fato de, na minha equipe de trabalho, não ter nenhum Gen Z. Dia desses, distraída, me referi a um homem barbado como menino, sua compreensão de mundo me pareceu tão pueril que ignorei suas quase três décadas de vida.


Não sou nenhuma estudiosa de infâncias, mas arriscaria dizer: com a Gen Z resolveram se dar conta de que criança é um sujeito dotado de quereres (e quantos quereres!). Depois, viram uns adultos cheios de vontades e nenhum desejo. Por vezes, empunham revólveres e ignoram coqueiros. Tudo falta, e acho até que a alma não salta.


É evidente que estes últimos parágrafos podem ser resumidos a uma hipótese assombrosa. Ao me ver há quilómetros geracionais de gente que já anda, fala e se reproduz, entro em pânico e fico mais perto de uma velha rabugenta, nostálgica e arrogante. Tão arrogante que nas pesquisas para este texto me deparei com a notícia: 'Haja Amor' estourou de novo entre a meninada da geração Z. Estou surpreso, diz Luiz Caldas, cantor, compositor, arranjador e multi-instrumentista baiano .


Afinal, que saudosismo é esse? É sempre bom lembrar que no tempo do Fricote se cantava a nega do cabelo duro e ninguém via o menor problema nisso. Melhoramos, e muito. Para ser bem sincera, não gostava de Fricote, Axé Music e seus semelhantes. Oficialmente ainda não gosto, mas acho uma graça danada. É a proximidade do Apocalipse alargando a rigidez das certezas juvenis. E há que se cuidar para evitar o enrijecimento dos quadris e das convicções senis.


Pelos cálculos da Baby do Brasil estamos a dois passos da hora fatal, em breve nos tornaremos todos membros da geração Pluft. Que isso, Baby? Será? Ah, não. Antes do fim nos abraçar, Baby, ainda quero fazer muito zum zum na cama, macetar o Apocalipse e gemer sem sentir dor, viu? Haja amor!


Bom, Baby é hypada, né? Todo mundo conhece, mas sabem que foi? E Tia Eulália? Conhecem Tia Eulália? Vixe, ela ainda estraçalha no bolimbolacho!



*Mirella Amorim é carioca da clara vivendo em São Paulo, nascida em 1974, autora de Amorogâmica Realistópica Panlírica, Ed. Patuá (2024), e criadora da página Álibis & Alfarrábios (www.alibisealfarrabios.com). Multiartista, assistente social e servidora pública.



 
 
 

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