top of page
Buscar

"TUDO É PERDA, TUDO QUER GRITAR, CADÊ?"

  • Foto do escritor: Mirella Amorim
    Mirella Amorim
  • 14 de set. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de jun.

Mirella Amorim*



(...) existe um tipo de alga (ou coisa parecida) que ama toda bosta concentrada no rio. Para esta espécie - que se tudo der certo sobreviverá à minha espécie - o rio Pinheiros é o fundinho do copo de achocolatado que minha geração lambeu com o dedo. Verdinhas, verdíssimas, felizes e insaciáveis, as algas se multiplicaram e acabaram por colorir lindamente um defunto em meio a esse sufoco.


Essa semana, passando o dedo em desencanto pela tela, me deparei com o rio morto. Lindo como nunca vi, porém morto, como sempre. Sufocada pelo verde esmeralda do rio Pinheiros lembrei a primeira vez que vi o São Francisco. Ainda hoje está aqui a imagem e a cor do rio. Com os olhos viciados de mar, me espantei. Verde Esmeralda. Depois, duvidei da minha própria emoção. A cada trecho do São Francisco que pude conhecer, tentei por à prova seu verde único.


Um verde inexplicável que só chamo de esmeralda para lhe adornar, mas que penso, deveria ser nome de cor.



Dirigia desde Salvador e quando entrei em Juazeiro entreguei o volante a um amigo. Fazia dias que, na iminência de nos encontrarmos, ouvia o Ciúme do Caetano. Na verdade, àquela altura ouvia apenas mentalmente. Meus companheiros de viagem já tinham me proibido colocar para tocar no carro. Havia momentos que a melodia escapava e ficavam só os versos arranhando o pensamento. À flor do Chico, meio-dia, embriagado de seu lume, onde o oculto do mistério se escondeu.


Não pensei se Juazeiro lembraria daquela tarde ou se Petrolina perceberia alguma coisa, sempre achei, esta, uma preocupação excessivamente leonina. Mas, em vias de cruzar a Ponte, Pernambuco, Rio, Bahia, os convenci de ouvirmos a música bem alto. Quis que fosse épico, e foi, tanto que estou aqui falando disso.



Que mistérios pode carregar o rio Pinheiros? A explicação oficial é relativamente simples. O tempo seco diminuiu o fluxo de água, todo cocô e matéria orgânica podre que o rio recebe ficou mais concentrado. Tipo leite com Nescau que no final fica mais mais doce. Pois então, existe um tipo de alga (ou coisa parecida) que ama toda bosta concentrada no rio. Para esta espécie - que se tudo der certo sobreviverá à nossa espécie - o rio Pinheiros é o fundinho do copo de achocolatado que minha geração lambeu com o dedo. Verdinhas, verdíssimas, felizes e insaciáveis, as algas se multiplicaram e acabaram por colorir lindamente um defunto em meio a esse sufoco.

Foto: Jorge Silva/Reuters


Peço desculpas a quem esteja me lendo. Ouvi lúcidos e aterradores podcasts nesta sexta-feira treze e me convenci de que deveria fazer alguma coisa-atitude=movimento. Devo admitir que, diante da foto do Pinheiros em tons de Velho Chico, num ímpeto, quase peguei a bicicleta e rumei para as margens do rio, justo no segundo dia consecutivo em que a qualidade do ar em São Paulo foi considerada a pior do mundo. Rapidamente recobrei a razão ou parte dela.


Inerte, achei por bem pensar que o rio, por capricho de quem não tem mais nada a perder, vestiu-se de Verde São Francisco, assim, como quem não quer nada.



*Carioca da clara, vivendo em São Paulo. Pós-graduada em Produção de Textos Literários pelo Instituto Vera Cruz/SP, multiartista, graduada em Serviço Social e servidora pública. Escritora, poeta, autora de “Amorogâmica” (Editora Patuá, 2024). Autodidata em artes visuais, bordadeira digital e criadora da página “Álibis & Alfarrábios” (www.alibisealfarrabios.com.br), deve à música brasileira sua formação subjetiva e estética.


 
 
 

1 則留言


訪客
2024年9月14日

Sua crônica me lembra Riobaldo descobrindo o São Francisco , descobrindo, não, desaguando no São Francisco numa epifania transformadora de verde- caudaloso-destino-lugar. O São Francisco é um lugar no imaginário e na vida. E aí , vem o Pinheiros, tão menor, tão menos intenso e também tão domesticado, aviltado e calado. E o Pinheiros se veste de algas, já que algo se perdeu na sua essência de rio. O paulistano não viu os jacarés , as capivaras lutando bravamente contra entulhos, cocô, garrafas pets e tudo que se atira ao rio. É muito triste. Os rios que correm

na nossa imaginação e que constituem nossa formação estão agonizando. O Pinheiros é um rio quase tímido se comparado ao São Francisco,…

按讚
bottom of page